terça-feira, 22 de março de 2011

Ex-Novo Amigo

   Já faz tempo que a gente lê e fala sobre esse lance de 'disconectividade interpessoal', essa nossa mania pós-moderna de preferir viver virtualmente deixando de transpor nossas fraquezas, de estar sujeito aos acasos, de se deparar com o oportuno da vida. Cada vez mais estamos dizendo 'não, obrigado' pro real, praquilo que podemos tocar e sentir, e dizendo 'sim!!!' pra tudo aquilo que de certa forma nos é similar a um campo intransponível, um mundo peculiar criado e pré-definido por ninguém mais do que nós mesmos. Dia após dia vamos nós, postando nossas páginas preferidas do Segundo Caderno, a mais nova piada do Youtube, o top list #3 weekly do Last Fm e por aí vamos, cada vez mais curtidos, cada vez mais comentados e apreciados... tudo de uma maneira segura e confidencial: de longe.
  Depois de uma noite super mal dormida de 'adios muchacho!' gripal, fui eu feito um tonto uma hora e trinta e seis minutos atrasado pra começar o turbilhão de afazeres antes de ir trabalhar. "Amanhã eu tomo café com vocês, gente", "Não dá pra passar no Detran hoje, também, não deve estar pronta a carteira", " tchau tchau" (Sempre dois, porque dois tchaus quer dizer 'Oh, tô morrendo de pressa , a gente se fala depois !') pra vizinhança e tudo aquilo que já te deixa tenso e cheio de dor de cabeça. Quando tomo a condução rezo pra que haja um banco inteiro vazio. Pela manhã eu fico meio antissocial mesmo, dividir lugar cedo é muita empatia prum ser que está em evolução muito muito lentamente. Ufa, surgiu o banco. Eu sentei, joguei a bolsa do outro lado e fiz-me entendido, por assim dizer. Ipod no ouvido e sigo refletindo sobre toda essa pressa e mal humor. "Isso não me faz bem", penso eu cá comigo. "Estou transpondo tudo aquilo que acredito! Pra que leio tanto e oro tanto? Pra ser assim? " ... " Mas calma lá, á de manhã ainda. Muita coisa pra se fazer. Ainda sou filho, não sou pai." Enfim. Em meio toda essa disputa entre alterego justificavel e senso de ridículo eu resolvi olhar pras pessoas com mais carinho. Olhei, Olhei... olhei. ninguém retribuiu... mas ninguém vai adivinhar que esses olhos amassados e meio avermelhados estão cheios de solidariedade e compaixão de uma hora pra outra, essa hora da madrugada, até porque a bolsa está no mesmo lugar. Vai vendo.
Entrou um rapaz no ônibus. Olhei sutilmente pros bancos, todos ocupados. Com vergonha de mim mesmo dei-me um 'tsc tsc' e tirei a bolsa do banco, afinal de contas, o rapaz poderia querer sentar-se. E ele quis. Um rapaz engraçado no bom sentido da palavra. Tinha um black power brilhoso e reluzente (deve usar um xampu legal), estava com uma tee com umas letras legais que não deu pra ler e uma bermuda rasgada, bem rasgada, usando um daqueles fones 80's grandes que eu amo, mas nem sempre uso porque chama atenção. O rapaz se sentou, olhou pra mim como quem quis dar um 'oi'. Eu, não sei se por anorexia emocional, por mal humor ou por surpresa, fingi que não vi de relance e segui janela a dentro. Ele tirou do bolso seu Itouch, igualzinho o meu, e foi desfilando suas musicas favoritas e mostrando seu bom humor. Me identifiquei (com o lance da música melhorar o humor). Música me faz muito feliz de manhã. Aliás, a qualquer hora do dia. Ele passava seus discos de lá e eu espiava pra ver a banda, eu passava os discos de cá e ele espiava minha tela pra ver o artista. Vi uma capa descolada com um nome escrito em francês; morri de vontade de perguntar quem era, mas não perguntei. Depois o vi fazendo dancinhas e catei uma capa do Ziggy Stardust... Nossa! Achei o maximo alguém de no máximo 22 anos escutando Bowie terça de manhã! Esse muleque deve ter um gosto interessante! Bem... É. Eu com meu Toro Y Moi, Baths, Houses e Darwin Deez de cá,  ele com as bandas que eu talvez nunca vá ouvir de lá. Gente interessada em coisa nova como eu; gente curiosa, querendo fazer amizade. Eu passei metade da viagem tentando achar um motivo pra falar com aquele garoto. Motivo?! Me dêem um murro na cara, vai. Como eu queria ter dito "Hey! Passa esse ipod pra cá, deixa eu ver o que de bacana você tá escutando por aí, e toma, cata o meu e vê se tu curte alguma coisa. Escuta primeiro esse oh" e colocar Baths com seu gingado sensação pro muleque apreciar. Queria ter batido um papo interessante, ter feito um amigo novo, trocado um follow ou um msn com um ser pensante cheio de novidade diferente das minhas. Queria. Quis, com toda a minha força. Mas minha falta de coragem de dizer sim pro real, de quebrar a barreira do cibernético, de ficar desconcertado se o cara pensasse que eu estava cantando ele, sei lá; é muito medo, é muito apego, é muito receio seculo XXI, é muita, muuita barreira. É muita incapacidade de se legitimar ser humano sociável e cheio de coisas legais. É quase impossível deixar a politização absurda disfarçada de maturidade te consumir feito um lactobacilo. Queria nao ser tão moderno. Queria nao ter conhecido tanto a vida virtual, o MSN, o facebook. Queria até conhecer, mas queria fazer mais desuso. Mas eu queria mesmo era ter feito aquele amigo gente fina. E ao vivo.